Sofrimento
“alinha-te com ele o mais depressa possível; instala-o calidamente num canto do teu coração, como um cão deitado junto à casa”.
(Jean Paul Sarte in “Barioná ou o jogo da dor e da esperança”)
Como corpo estranho, convidado indesejado, má sorte ou destino malfadado. O sofrimento é hoje, mais do que nunca, um “problema” insolúvel da nossa sociedade.
Nas pessoas, qual segredo bem guardado, o sofrimento é, hoje, vergonha, mundo interior, lado obscuro do ser e do viver. Que ninguém quer, mas a todos chega. Que chega sem avisar e parte sem dizer obrigado. E que, embora marcando distinta e individualmente cada pessoa, suscita conclusões relativistas do estilo “a mim também já me aconteceu isso”.
Nas televisões chegam-nos todos os dias histórias. Momentos narrados, exteriores, apáticos de sofrimento. Histórias de vida que abruptamente colidem com a nossa. Barcos ao fundo, acidentes mortais, pontes que caem, suícidios inesperados. Histórias que terminam com choros fatais em horário nobre e com insensíveis perguntas do estilo “como se sente?”.
Nas livrarias, abundantes estantes e livros apelam ao mais além. 1000 dicas como sofrer, 50 histórias de sucesso, 5 mandamentos de uma vida bem vivida. Nos jornais, anúncios e promessas de resolução de problemas, consultando o Dr. Chibanga ou reunindo ervas doces asiáticas. Respostas insuficientes para o sofrimento (e vida), sempre tão pessoal, irrepetível e íntima. Perguntas que só fazem sentido escritas por quem as vive.
O sofrimento, hoje, mais do que nunca, merece ser enfrentado e respeitado. Como parte integrante da vida. Como dimensão pessoal, incompatível com generalizações, mediatizações e teorizações. Como situação de prova (possível, nova e nossa), que desfaz agendamentos vivenciais e nos descentra. Como condição e circunstância vivida no presente que não caduca, não diminui, mas promove o futuro.
Sobre o sofrimento todos tem uma palavra a dizer. Sobre o sofrimento, Cristo tem uma vida a dizer.
Bernardo Cunha Ferreira
in essejota.net